Page 23 - O Poderoso Chefao - Mario Puzo_Neat
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— Eu cuido deles. Depois do divórcio, dei a Ginny e às meninas mais do que os tribunais
  mandaram. Vou vê-las uma vez por semana. Sinto falta delas. Às vezes, penso que estou ficando
  louco. — Tomou outro cálice de bebida. — Agora minha segunda mulher ri de mim. Não pode
  entender  que  eu  tenha  ciúme.  Chama-me  de  carcamano  antiquado,  faz  pouco  do  meu  canto.
  Antes de partir, dei-lhe uma boa surra, mas não lhe bati no rosto porque ela estava fazendo um
  filme.  Dei-lhe  uma  “gravata”,  bati-lhe  nos  braços  e  nas  pernas  como  numa  criança,  e  ela
  continua rir de mim. — Acendeu um cigarro. — Assim, Padrinho, agora mesmo, a vida parece
  que não merece ser vivida.
    —  Essas  dificuldades  —  respondeu  Don  Corleone  simplesmente  —  são  das  que  eu  nada
  posso fazer para ajudá-lo. — Fez uma pausa, depois perguntou: — Que há com sua voz?
    Todo  o  encanto  aparentemente  confiante,  a  simulação,  desapareceu  do  rosto  de  Johnny
  Fontane. Ele disse quase balbuciando:
    — Padrinho, não posso mais cantar, aconteceu algo na minha garganta, e os doutores não
  sabem o que é. — Hagen e Don Corleone olharam para ele com Surpresa. Johnny sempre fora
  muito duro. Fontane prosseguiu: — Meus dois filmes deram muito dinheiro. Eu era um grande
  astro. Agora me jogaram fora. O chefe de estúdio sempre odiou minha firmeza de caráter e
  agora está se vingando
    Dou Corleone postou-se diante do afilhado e perguntou asperamente:
    — Por que esse homem não gosta de você?
    — Eu costumava cantar essas canções para as organizações liberais, você sabe, e tudo aquilo
  que  você  sempre  detestou  que  eu  fizesse.  Bem,  Jack  Woltz  tampouco  gostava  disso.  Ele  me
  chamou  de  comunista,  mas  não  pôde  fazer  prevalecer  essa  sua  opinião.  Então,  apanhei  uma
  garota que ele reservara para ele. Passei apenas uma noite com ela e foi ela quem me perseguiu.
  Que diabo podia eu fazer? Então, a prostituta da minha segunda mulher expulsou-me de casa. E
  Ginny e as meninas não me querem aceitar de volta a não ser que eu venha rastejando sobre os
  pés e as mãos, e não posso mais cantar. Padrinho, que diabo posso fazer?
    O rosto de Don Corleone tomou-se frio e sem comiseração.
    — Você pode começar a proceder como homem — disse com desdém. De repente, a raiva
  congestionou-lhe  o  rosto,  e  gritou:  —  COMO  HOMEM!  —  Ele,  por  cima  da  escrivaninha,
  agarrou Johnny Fontane pelo cabelo num gesto selvagemente carinhoso. — Por Deus do Céu,
  será possível que você passasse tanto tempo na minha presença, sem poder se mostrar melhor do
  que isso? Um finocchio de Hollywood que chora e implora piedade? Que se lamenta como uma
  mulher. “Que é que vou fazer? Ai, que é que vou fazer?”
    A  imitação  de  Don  Corleone  foi  tão  extraordinária,  tão  inesperada,  que  Hagen  e  Johnny
  caíram  numa  inesperada  gargalhada.  Don  Corleone  ficou  satisfeito.  Por  um  momento,  ele
  refletiu  sobre  quanto  amava  esse  afilhado.  Como  os  seus  próprios  três  filhos  reagiriam  a  tal
  espinafração? Santino ficaria amuado e se comportaria pessimamente durante semanas, a partir
  de então. Fredo ficaria acovardado. Michael reagiria apresentando-lhe um riso frio e saindo de
  casa, para não ser visto durante meses. Mas Johnny, ali (que bom sujeito ele era!), rindo agora,
  reunindo força, sabendo já o verdadeiro propósito do Padrinho.
    — Você — prosseguiu Corleone — tomou a mulher do seu chefe, um homem mais poderoso
  do que você, depois reclama que ele não quer ajudá-lo. Que absurdo! Você deixou a família,
  deixou as filhas sem pai, para casar com uma prostituta, e chora porque elas não querem recebê-
  lo de volta de braços abertos. A prostituta, você não lhe bateu no rosto, porque está fazendo um
  filme, depois você fica admirado porque ri de você. Você viveu como um bobo e chegou ao fim
  como um bobo. — Fez uma pausa e perguntou com voz paciente: — Você quer aceitar meu
  conselho desta vez?
    Johnny Fontane deu de ombros.
    — Não posso casar novamente com Ginny, não da maneira que ela quer Tenho de jogar,
  tenho de beber, tenho de sair com os amigos. Mulheres bonitas me perseguiam e eu nunca pude
  resistir a elas. Depois  eu  me  sentia  como  um  canalha  quando  voltava  para  Ginny.  Jesus,  não
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