Page 24 - O Poderoso Chefao - Mario Puzo_Neat
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posso voltar a toda essa coisa inútil.
Era raro Don Corleone mostrar-se exasperado.
— Eu não lhe falei para casar novamente. Faça o que você quiser. E bom que você deseje
ser pai de suas filhas. O homem que não é pai de suas filhas nunca pode ser um homem
verdadeiro. Então, você pode fazer com que a mãe delas o aceite novamente. Quem disse que
você não pode vê-las todo dia? Quem disse que você não pode viver na mesma casa? Quem disse
que você não pode viver sua vida exatamente como deseja?
Johnny Fontane deu uma gargalhada.
— Padrinho, nem todas as mulheres são como as antigas mulheres italianas. Ginny não
topará isso.
— Porque você procedeu como um finocchio — disse Don Corleone zombeteiramente. —
Você deu a ela mais do que o tribunal mandou. Você não bateu na cara da outra porque ela
estava fazendo um filme. Você deixa as mulheres imporem as suas condições e elas não são
competentes neste mundo, embora certamente elas sejam santas no céu, enquanto nós homens
sejamos queimados no inferno. Além disso, eu o observei durante todos esses anos.
A voz de Don Corleone tornou-se grave.
— Você sempre foi um bom afilhado, sempre me respeitou muito. Mas onde estão os seus
outros velhos amigos? Num ano você anda com uma pessoa, no outro ano com outra. Aquele
rapaz italiano que era tão engraçado no cinema teve má sorte. Você nunca mais o viu, porque
você era mais famoso. E onde está o seu velho companheiro que freqüentou a escola com você,
que era seu parceiro de canto? Nino. Ele bebe demais por frustração, mas nunca reclama.
Trabalha duro dirigindo o caminhão de cascalho e canta nos fins de semana para ganhar alguns
trocados. Nunca diz nada contra você. Você não podia ajudá-lo um pouco? Por que não? Ele
canta bem.
Johnny Fontane disse com um enfado paciente:
— Padrinho, ele não tem talento suficiente. Ele é bom, mas não é excepcional.
Don Corleone cerrou as pálpebras até quase fechar os olhos e disse:
— E você, meu afilhado, você agora não tem talento suficiente. Quer que eu lhe arranje um
emprego no caminhão de cascalho com Nino? — Como Johnny não respondesse, Don Corleone
prosseguiu: — A amizade é tudo. A amizade é mais do que talento. É mais do que Governo. E
quase igual à família. Jamais se esqueça disso. Se você tivesse levantado um muro de amizades,
não teria de me pedir ajuda. Agora me diga, por que você não pode cantar? Você cantou bem no
jardim. Tão bem quanto Nino.
Hagen e Johnny sorriram desse estímulo delicado. Era a vez de Johnny ser condescendente e
paciente.
— Minha voz está fraca. Eu canto uma ou duas canções e depois não posso mais cantar por
horas ou dias. Não posso fazê-lo durante os ensaios ou retomadas de cenas. Minha voz está fraca,
apanhou alguma doença.
— Assim, você tem algum problema de mulher. Sua voz está fraca. Agora me diga que
dificuldade você tem com esse pezzonovante de Hollywood que não quer deixar você trabalhar.
Don Corleone estava entrando agora diretamente no assunto.
— Ele é maior do que qualquer dos seus pezzonovanti — disse Johnny. — Ele é o dono do
estúdio. Aconselha o presidente sobre a propaganda de cinema para a guerra. Exatamente há um
mês, ele comprou os direitos cinematográficos da maior novela do ano. Um livro de grande
sucesso. E o personagem principal é um sujeito precisamente como eu. Eu nem teria de
representar, bastava ser eu mesmo. Nem teria de cantar. Poderia até ganhar o prêmio da
Academia. Todos sabem que o papel serve perfeitamente para mim e que eu seria grande
novamente, como ator. Mas esse canalha do Jack Woltz está se vingando de mim, não vai dar-me
esse papel. Ofereci-me para fazê-lo de graça, por um preço mínimo, e teima em negá-lo.
Mandou dizer que se eu fosse puxar-lhe o saco no escritório do estúdio talvez ele pensasse no
assunto.