Page 29 - O Poderoso Chefao - Mario Puzo_Neat
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Don Corleone refugou esses agradecimentos.
    — Não devo respeito a tal amigo, um amigo que foi meu braço direito durante vinte anos?
    Ele  entendera  logo  que  aquela  que  dentro  em  pouco  seria  viúva  não  compreendia  que  o
  marido  morreria  naquela  noite.  Genco  Abbandando  estava  nesse  hospital  há  quase  um  ano,
  morrendo  de  câncer,  e  a  mulher  passara  a  considerar  a  sua  fatal  doença  quase  como  parte
  normal da vida. Esta noite era apenas outra crise. Ela voltou a falar.
    — Entre para ver meu pobre marido disse ela. — Ele perguntou pelo senhor. Pobre homem,
  ele queria ir ao casamento para prestar sua homenagem, mas o médico não permitiu. Então, ele
  disse  que  o  senhor  viria  vê-lo  neste  grande  dia,  mas  não  acreditei  que  isso  fosse  possível.  Os
  homens compreendem a amizade mais do que as mulheres. Entre, o senhor o fará feliz.
    Uma  enfermeira  e  um  médico  saíram  do  quarto  particular  de  Genco  Abbandando.  O
  médico era um homem moço, de rosto sério e com o ar de quem nascera para mandar, isto é, o
  ar de quem tem o rei na barriga. Uma das filhas perguntou timidamente:
    — Dr. Kennedy, podemos vê-lo agora?
    O Dr. Kennedy olhou exasperado para aquela porção de gente. Essa gente não sabia que o
  homem lá dentro estava morrendo cheio de dores? Seria muito melhor que o deixassem morrer
  em paz.
    — Penso que somente os parentes próximos — disse ele com uma voz esquisita e delicada.
    Ficou  surpreso  quando  a  mulher  e  as  filhas  se  voltaram  para  o  homem  baixo,  pesadão,
  vestido num smoking adaptado, como que para ouvir sua deciãao.
    O homem pesadão falou com um ligeiro vestígio de sotaque italiano em sua voz:
    — Meu caro doutor — perguntou Don Corleone — é verdade que ele está morrendo?
    — Sim — respondeu o Dr. Kennedy.
    — Então, não há nada mais que o senhor possa fazer — disse Don Corleone. Aceitaremos a
  realidade. Nós o confortaremos. Fecharemos os olhos dele. Enterra-lo-emos e choraremos no
  seu funeral, e depois cuidaremos de sua mulher e filhas
    Ouvindo essas coisas, ditas de maneira tão rude, forçando-a a entender, a Sra. Abbandando
  começou a chorar.
    O Dr. Kennedy deu de ombros. Era impossível explicar a situação a esses camponeses. Ao
  mesmo tempo, ele reconhecia a justiça cruel nas observações do homem. Sua missão estava
  terminando. Ainda com voz delicada, falou:
    — Por favor, esperem que a enfermeira permita que vocês entrem, ela ainda tem algumas
  coisas a fazer com o paciente.
    Afastou-se deles, caminhando ao longo do corredor, com o seu jaleco branco abanando.
    A  enfermeira  voltou  a  entrar  no  quarto,  enquanto  esperavam.  Finalmente,  saiu  outra  vez,
  segurando a porta para que entrassem, murmurando:
    — Ele está delirando com a dor e a febre; procurem não excitá-lo. Só podem ficar alguns
  minutos, exceto a mulher dele.
    Reconheceu Johnny Fontane, quando passou por ela, e os seus olhos se abriram de espanto.
  Johnny sorriu-lhe em sinal de agradecimento, e a enfermeira o fitou com um convite franco. Ele
  a arquivou para outra oportunidade. Depois, seguiu os outros e entrou no quarto do doente.
    Genco Abbandarido tinha lutado muito com a morte, e agora, vencido, jazia exausto no leito.
  Achava-se  reduzido  a  um  simples  esqueleto,  e  o  que  fora  outrora  vigoroso  cabelo  preto  se
  transformara em feixes de fios.
    — Genco, caro amigo — falou Don Corleone com animação — eu trouxe meus filhos para
  lhe apresentarem os seus respeitos e, veja, até Johnny veio especialmente de Hollywood.
    O  moribundo  ergueu  os  olhos  febris  agradecidos  para  Don  Corleone.  Deixou  os  rapazes
  apertarem  sua  mão  óssea  nas  mãos  carnudas  deles.  A  mulher  e  as  filhas  enfileiraram-se  ao
  longo da cama, beijando-lhe a face, pegando-lhe por sua vez na outra mão.
    Don Corleone apertou a mão do velho amigo e disse para confortá-lo:
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