Page 30 - O Poderoso Chefao - Mario Puzo_Neat
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—  Fique  melhor  depressa  e  faremos  juntos  uma  viagem  á  Itália,  à  nossa  velha  aldeia.
  Jogaremos boccie em frente da taberna como os nossos pais costumavam fazer antes de nós.
    O moribundo balançou a cabeça. Afastou os rapazes e a família da beira da cama; com a
  outra mão óssea pendurou-se firmemente em Don Corleone. Tentou falar. Don Corleone baixou
  a cabeça e sentou-se na cadeira ao lado da cama. Genco Abbandando estava balbuciando algo a
  respeito da infância deles. Então, seus olhos pretos como carvão apresentaram um ar zombeteiro,
  e  sussurrou.  Don  Corleone  inclinou-se  mais.  Os  presentes  àquela  cena  ficaram  espantados  ao
  verem as lágrimas correrem pelas faces de Don Corleone, enquanto ele balançava a cabeça. A
  voz trêmula se tornou mais alta, enchendo o quarto. Com um esforço torturante, sobre-humano,
  Abbandando levantou a cabeça do travesseiro, sem enxergar nada, e apontou o dedo indicador
  esquelético para Don Corleone.
    — Padrinho, Padrinho — gritou cegamente — salve-me da morte, eu lhe suplico! Minha
  carne está queimando meus ossos, e sinto os vermes comerem meus miolos. Padrinho, cure-me,
  você tem poder para isso, enxugue as lágrimas de minha pobre mulher! Brincamos juntos na
  aldeia, quando crianças, e agora você deixará que eu morra, quando tenho medo do inferno por
  causa dos meus pecados? — Don Corleone manteve-se calado. — É o dia do casamento de sua
  filha — prosseguiu o moribundo — você não pode recusar-me isso.
    Don  Corleone  falou  então  de  modo  sereno  e  grave,  a  fim  de  responder  àquele  delírio
  blasfemo.
    — Meu velho amigo — disse ele — eu não tenho tais poderes. Se eu os tivesse seria mais
  misericordioso  do  que  Deus,  creia-me.  Mas  não  tenha  medo  da  morte  e  não  tenha  medo  do
  inferno. Eu farei rezar uma missa por sua alma todas a noites e todas as manhãs. A sua mulher e
  suas filhas rezarão por você. Como pode Deus punir você com tantos apelos de misericórdia?
    O rosto esquelético assumiu uma expressão manhosa, quase obscena.
    — Está tudo arranjado, então? — interrogou o doente com astúcia.
    Quando Don Corleone respondeu, a sua voz parecia fria, sem conforto.
    — Você está blasfemando. Conforme-se.
    Abbandando  voltou  a  cair  no  travesseiro.  Os  seus  olhos  perderam  o  brilho  selvagem  da
  esperança.  A  enfermeira  tornou  a  entrar  no  quarto  e  começou  a  enxotá-los  de  modo  bem
  grosseiro. Don Corleone levantou-se, mas Abbandando estendeu a mão.
    — Padrinho — pediu ele — fique aqui comigo e me ajude na hora da morte. Talvez se Ele
  vir  você  perto  de  mim  ficará  com  medo  e  me  deixará  em  paz.  Ou  talvez  você  possa  dizer
  alguma coisa, puxar alguns cordéis, hem?
    O moribundo piscou os olhos como se estivesse zombando de Don Corleone, agora de fato
  não falando tão sério:
    — Vocês são irmãos de sangue, afinal de contas. — Depois, como que temendo que Don
  Corleone se sentisse ofendido, agarrou-lhe a mão. — Fique comigo, deixe-me segurar a sua mão.
  Enganaremos esse patife, como enganamos outros. Padrinho, não me traia.
    Don Corleone fez sinal para que as outras pessoas saíssem do quarto. Elas saíram. Ele tomou
  a  mão  completamente  murcha  de  Genco  Abbandando  em  suas  próprias  mãos  largas.
  Suavemente,  tranqüilizadoramente,  confortava  o  amigo,  enquanto  esperavam  juntos  a  morte.
  Como se Don Corleone pudesse realmente arrebatar a vida de Genco Abbandando do mais vil e
  criminoso traidor do homem.
    O dia do casamento de Connie Corleone terminou bem para ela. Carlo Rizzi cumpriu os seus
  deveres de noivo com eficiência e vigor, estimulado pelo conteúdo da bolsa presenteada à noiva
  que totalizou acima de vinte mil dólares A noiva, contudo, entregou a sua virgindade com muito
  mais espontaneidade do que a bolsa de dinheiro. Para conseguir esta última, ele teve de socar um
  dos olhos dela.
    Lucy Mancini esperou em casa por um telefonema de Sonny Corleone, certa de que ele
  marcaria um encontro com ela. Finalmente, ela telefonou para a casa dele, e quando ouviu uma
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