Page 33 - O Poderoso Chefao - Mario Puzo_Neat
P. 33

entanto,  nada  disso  era  tão  impressionante  como  parecia.  Não  passavam  de  relações  oficiais.
  Woltz  não  tinha  qualquer  poder  político  pessoal,  principalmente  porque  era  um  reacionário
  exaltado, em parte, porque era um megalomaníaco que gostava de impor sua vontade férrea,
  sem se importar que isso suscitasse legiões de inimigos que emergiam do solo.
    Hagen suspirou. Não haveria meio de “manobrar” Jack Woltz. Abriu a pasta e procurou pôr
  em ordem alguns documentos, mas estava muito cansa do. Pediu outro martíni e refletiu sobre a
  sua vida. Não tinha de que se lamentar, na verdade sentia que tivera muita sorte. Qualquer que
  fosse o motivo, o caminho que escolhera há dez anos provara ser certo para ele. Obtivera êxito;
  era tão feliz como qualquer adulto poderia racionalmente esperar, e achava a vida interessante.
    Tinha 35 anos de vida, era um homem alto de cabelo à escovinha, muito esguio, com uma
  aparência  bem  comum.  Era  advogado,  mas,  na  verdade,  não  executava  qualquer  trabalho
  jurídico para o negócio da família Corleone, embora ele houvesse exercido a advocacia durante
  três anos, depois de concluir os seus estudos de Direito.
    Quando contava 11 anos, fora companheiro de brincadeiras de Sonny Corleone, que tinha a
  mesma  idade.  A  mãe  de  Hagen  ficou  cega  e  morreu,  justamente  nesse  mesmo  ano  de  sua
  infância.  Seu  pai  tornou-se  um  alcoólatra  inveterado.  Sendo  carpinteiro  e  muito  trabalhador,
  jamais cometeu qualquer desonestidade em sua vida. Sua embriaguez destruiu-lhe a família e
  finalmente o matou. Tom Hagen ficou um órfão, ao abandono completo, vagando pelas ruas e
  dormindo em vestíbulos. Sua irmã mais moça foi colocada numa casal de pais adotivos, mas na
  década  de  20,  as  agências  sociais  não  se  interessavam  por  casos  de  meninos  de  12  anos  que
  tinham a ingratidão de se esquivar de receber a caridade delas. Além disso, Hagen tinha uma
  infecção no olho. Os vizinhos murmuravam que ele a apanhara ou a herdara da mãe e, desse
  modo, podia transmiti-la a alguém. Todos o evitavam. Sonny Corleone, um menino de 11 anos de
  idade, bondoso e arrogante, levara o amigo para casa e exigiu que ele fosse aceito. Deram a
  Tom Hagen um prato de espaguete com suco de tomate cheio de óleo, cujo gosto ele jamais
  esqueceu, e depois lhe deram urna cama desmontável de metal para dormir.
    De modo mais natural, sem dizer uma palavra e sem discutir a questão de forma alguma,
  Don  Corleone  permitiu  que  o  menino  ficasse  em  sua  casa.  Ele  mesmo  levou  o  garoto  a  um
  médico  especialista  e  curou-lhe  a  infecção  no  olho.  Mandou-o  para  a  escola  secundária  e
  faculdade de Direito. Em tudo isso, Don Corleone procedeu não como um pai, mas antes como
  um  tutor.  Não  lhe  demonstrava  afeto,  mas  é  bastante  estranho  que  tratasse  Hagen  com  mais
  cortesia  do  que  os  seus  próprios  filhos,  não  lhe  impondo  a  vontade  paterna.  Ele  ouvira  o  pai
  adotivo dizer uma vez:  “Um  advogado  com  sua  pasta  pode  roubar  mais  do  que  cem  homens
  armados.” Entrementes, para grande aborrecimento do pai, Sonny e Freddie insistiram em entrar
  no negócio da Família, após concluírem a escola secundária. Só Michael fora para a faculdade, e
  se alistara no Corpo de Fuzileiros Navais no dia seguinte ao ataque de Pearl Harbor.
    Depois  de  concluir  os  seus  estudos  de  Direito,  Hagen  casou-se,  constituindo  sua  própria
  família. A noiva era uma moça italiana de Nova Jersey, que concluíra curso superior, coisa rara
  na época. Depois do casamento, que, naturalmente, foi realizado na casa de Don Corleone, este
  ofereceu-se para ajudar Hagen em qualquer empreendimento que o rapaz desejasse, seja para
  enviar-lhe clientes, fornecer-lhe um escritório, ou iniciá-lo no ramo imobiliário.
    Tom Hagen baixara a cabeça e dissera a Don Corleone:
    — Eu gostaria de trabalhar para você.
    Don Corleone ficou surpreso, embora lisonjeado.
    — Você sabe quem eu sou? perguntou.
    Hagen balançou a cabeça afirmativamente. Não conhecia realmente a extensão do poder de
  Don Corleone, naquela época. E desconhecia realmente nos dez anos que se seguiram, até que se
  tornou consigliori interino, depois que Genco Abbandando caiu doente. Entretanto, confirmara
  com a cabeça, e seus olhos fixaram-se nos olhos de Don Corleone.
    —  Eu  gostaria  de  trabalhar  para  você,  como  seus  filhos—  afirmou  Hagen,  como  que
  confessando sua absoluta lealdade a ele, e aceitando completamente a divindade paterna de Don
  Corleone.
   28   29   30   31   32   33   34   35   36   37   38