Page 32 - O Poderoso Chefao - Mario Puzo_Neat
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morrido às três horas da madrugada, e quando Don Corleone voltou do hospital, informou a
Hagen que ele agora era oficialmente o novo consigliori da Família. Isso significava que Hagen
tinha certeza de que se tornaria um homem muito rico, sem falar no poder.
Don Corleone quebrara uma tradição mantida há muito tempo. O consigliori era sempre um
siciliano de puro-sangue, e o fato de que Hagen tinha sido criado como um membro da família
de Don Corleone não fazia diferença no que se relacionasse a essa tradição. Era uma questão de
sangue. Só a um siciliano acostumado desde pequeno aos meios da omertà, a lei do silêncio,
podia ser confiado o posto-chave de consigliori.
Entre o chefe da Família, Don Corleone, que ditava a política, e o nível operacional de
homens que realmente executavam suas ordens, havia três camadas, ou amortecedores. Desse
modo, nada podia ser atribuído ao chefe. A menos que o consigliori se tornasse traidor. Naquela
manhã de domingo, Don Corleone deu instruções explícitas sobre o que se devia fazer aos dois
rapazes que haviam batido na filha de Amerigo Bonasera. Dera tais ordens em particular a Tom
Hagen. Mais tarde, no mesmo dia, Hagen, também em particular e sem testemunhas, instruíra
Clemenza. Por sua vez, Clemenza dissera a Paulie Gatto para cumprir a missão. Paulie Gatto
reuniria agora os homens necessários e executaria as ordens. Paulie Gatto e seus homens
ignoravam por que essa determinada tarefa estava sendo executada ou quem a ordenara
inicialmente. Cada elo da corrente devia tornar-se traidor, para que Don Corleone fosse
envolvido no caso, e embora nunca até então isso tivesse ocorrido, havia sempre essa
possibilidade. O remédio para tal possibilidade era também conhecido. Apenas um elo da
corrente tinha de desaparecer.
O consigliori era também o que o seu nome significava. Ele era o conselheiro de Don
Corleone, seu braço direito, seu cérebro-auxiliar. Era também seu companheiro mais chegado e
seu amigo mais íntimo. Nas viagens importantes, dirigiria o carro de Dou Corleone; nas
conferências, sairia para buscar os refrescos, café e sanduíches, charutos frescos, destinados a
Don Corleone. Ele saberia tudo ou quase tudo o que Don Corleone sabia, todas as células do
poder. Era o único homem no mundo que poderia levar Don Corleone à destruição. Mas jamais
consigliori algum tinha traído um Don, pelo menos na memória de qualquer das poderosas
Famílias sicilianas que se haviam estabeleci do na América. Não havia futuro nisso. E todo
consigliori sabia que se ele mantivesse a fé se tornaria rico, teria poder e conquistaria respeito. Se
sobreviesse o infortúnio, sua mulher e filhos teriam proteção e ajuda, como se ele fosse vivo ou
estivesse livre. Se ele mantivesse a fé.
Em alguns casos o consigliori tinha de agir em favor de seu Don de modo mais aberto, sem
envolver contudo o chefe. Hagen estava viajando para a Califórnia exatamente num caso assim.
Ele sabia que sua carreira de consigliori seria seriamente afetada pelo sucesso ou fracasso dessa
missão. Pelos padrões dos negócios da família, que Fontane conseguisse ou não seu cobiçado
papel no filme em questão era coisa de pequena importância. Muito mais importante era a
reunião que Hagen marcara com Virgil Sollozzo para a próxima sexta-feira. Hagen sabia que
para Don Corleone ambas as coisas eram da mesma importância, o que constituía um ponto de
honra para qualquer consigliori.
O avião já abalara os nervos de Tom Hagen e ele pediu um martíni à aeromoça para
acalmá-los. Tanto Don Corleone quanto Johnny o haviam instruído sobre o caráter do produtor
cinematográfico Jack Woltz. Pelo que Johnny dissera, Hagen sabia que jamais conseguiria
persuadir Woltz. Ele também não duvidava de que Don Corleone manteria a sua promessa a
Johnny. O seu próprio papel era o de negociador e elemento de ligação.
Recostado em sua poltrona, Hagen repassou todas as informações que lhe foram dadas
naquele dia. Jack Woltz era um dos três produtores cinematográficos de Hollywood mais
importantes, dono de seu próprio estúdio, com dezenas de astros e estrelas sob contrato. Era
presidente da Divisão Cinemática do Conselho Consultivo para Informação de Guerra dos
Estados Unidos, o que simplesmente significava que ajudava a fazer filmes de propaganda.
Almoçara na Casa Branca. Recepcionara J. Edgar Hoover em sua casa de Hollywood. No