Page 36 - O Poderoso Chefao - Mario Puzo_Neat
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— O senhor pode ter alguma complicação trabalhista dentro de pouco tempo. Meu amigo
pode garantir plenamente que fará desaparecer essa complicação. O senhor tem um astro de
primeira grandeza que traz muito dinheiro para o seu estúdio, que acaba de ser promovido da
maconha para a heroína. Meu amigo pode garantir-lhe que o seu astro não tomará mais heroína.
E, se sobrevierem outras coisas com o decorrer dos anos, um telefonema para mim resolverá os
seus problemas.
Jack Woltz ouvia isso como se estivesse ouvindo as bravatas de uma criança. Depois
perguntou asperamente, a voz denotando deliberadamente um sotaque inteiramente da zona leste
de Nova York.
— O senhor quer obrigar-me a tomar tal atitude?
— Absolutamente não — respondeu Hagen friamente. — Vim apenas solicitar que atenda o
pedido de um amigo. Tenho procurado explicar que o senhor nada perderá com isso.
Quase como se o desejasse, Woltz pôs no rosto uma máscara de zanga. Sua boca
encrespou.se e suas sobrancelhas cerradas, pintadas de preto, contraíram-se para formar uma
linha espessa sobre os olhos cintilantes. Ele se inclinou por cima da mesa para Hagen.
— Muito bem, seu meloso filho da puta, deixe-me esclarecer a coisa para você e o seu
chefe, seja lá quem for ele. Johnny Fontane jamais trabalhará nesse filme. Pouco me importa
quantos carcamanos da Máfia possam surgir das selvas.
Ele se reclinou na cadeira.
— Um conselho posso dar a você, meu amigo. J. Edgar Hoover, suponho que você já ouviu
falar nele — Woltz riu sarcasticamente — é meu amigo pessoal. Se eu comunicar a ele que estou
sendo pressionado, vocês não sabem o que lhes pode acontecer.
Hagen ouviu pacientemente. Esperava coisa melhor de um homem da posição de Woltz.
Seria possível que um homem que procedia de maneira tão estúpida podia galgar à chefia
suprema de uma companhia que valia centenas de milhões? Havia sobre o que pensar aí, desde
que Don Corleone estava procurando novas coisas em que aplicar dinheiro, e, se os homens mais
altos dessa indústria eram tão broncos, o cinema poderia ser uma das coisas. O próprio insulto
não o incomodara absolutamente. Hagen aprendera a arte de fazer negociações com o próprio
Don Corleone.
“Nunca se aborreça” — Don Corleone o havia instruído. — “Nunca faça uma ameaça”.
“Argumente com as pessoas”.
A palavra “argumentar” parecia muito melhor em italiano, rajunah, retrucar. A arte disso
consistia em ignorar todos os insultos, todas as ameaças; apresentar a outra face. Hagen vira Don
Corleone sentar-se a uma mesa de negociações durante oito horas, engolindo insultos, procurando
convencer um homem forte, famoso e megalomaníaco a corrigir-se. No fim das oito horas, Don
Corleone jogara as mãos num gesto desanimado e dissera para outros homens presentes:
“Ninguém pode argumentar com esse sujeito”, e retirou-se altivamente da sala de reunião.
O homem forte tornou-se pálido de medo. Emissários foram enviados para trazer Don
Corleone de volta à sala. Chegou-se a um acordo, mas dois meses depois o homem forte foi
assassinado a tiros na barbearia que freqüentava.
Assim Hagen começou novamente, falando com a voz mais natural.
— Olhe o meu cartão — frisou ele. — Eu sou advogado. Cometi algum erro? Pronunciei
alguma palavra de ameaça? Permita-me dizer que estou preparado para atender a qualquer
condição que o senhor mencionar para que Johnny Fontane trabalhe nesse filme. Penso que já
ofereci bastante por tão pequeno favor. Um favor que acho que é do seu próprio interesse
conceder. Johnny me disse que o senhor admite que ele se sairia bem nesse papel. E permita-me
acrescentar que esse favor jamais seria solicitado se isso não acontecesse. De fato, se o senhor
está preocupado com o seu investimento, meu cliente poderia financiar o filme. Mas, por favor,
deixe-me tornar bastante claro. Compreendemos que o seu não é não. Ninguém pode ou está
procurando forçá-lo. Sabemos de sua amizade com o Sr. Hoover, posso acrescentar, e meu
chefe o respeita por isso. Ele respeita imensamente essa relação de amizade.