Page 154 - CURSO COMPLETO DE DIREITO AGRÁRIO, Silvia C. B. Opitz e Oswaldo Opitz, Ed. Saraiva, 7ª ed., 2013
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CURSO COMPLETO DE DIREITO AGRÁRIO, Silvia C. B. Opitz e Oswaldo Opitz, Ed. Saraiva, 7ª ed., 2013
Por este direito, nem todos os rios são publicos, mas sim sómente alguns, como
são os navegaveis ou os de que se fazem os navegaveis, taes como são os grandes
rios, caudalosos, de volume abundante, grosso e copioso de aguas, permanente e
assíduo, que se prestem á navegação.
Os rios que não são publicos, mas particulares, consideram-se, perante os
preceitos do direito romano, como partes integrantes dos predios por onde correm
e sujeitos ás mesmas leis que a estes regem; e, portanto, são pertencentes aos donos
dos predios que margeiam, aos proprietarios marginaes ou ribeirinhos.
Distingue-se o rio publico do particular, pela sua grandeza, por ser aquelle
caudal e este não, por se prestar aquelle á navegação immediata ou directamente,
por ser navegavel, ou mediata ou indirectamente, por concorrer para que outro rio,
sobre o qual despeje as suas aguas como afluente, se tome navegavel.
Em nada differem os rios particulares dos outros lugares particulares; e, por
isso, o que se faz em rio particular é como se praticasse em qualquer outro lugar
privado.
E isso comprova-se com o que declara:
A) Marciano, no Dig., Li v. 1 º, Tit. 8º, De di vis. rer. - ibi- Sed flumina pene
omnia et portus publica sunt;
B) Ulpiano, no Dig., Liv. 43º, Tit. 12º, De Fluminibus, frag. 1 º, como se vê:
a) no§ 3º- ibi- 'Fluminum quaedam publica sunt, quaedam non';
b) no § 1 º- ibi - 'Flumen a ri v o magnitudini discernendum est'.
O direito romano considera como rio navegavel o affluente que com sua junc-
ção com outro, o affluido, o toma navegavel - 'flumen quod ex eo aliud navega-
bile fit', -como o declara Pomponio, no frag. 2º do Dig. Liv. e Tit. citados. Mas,
ainda assim, exige que a navegabilidade resulte 'immediatamente da juncção'; de
modo que, para assimilhar-se o affluente com o affluido, é necessario que aquelle
despeje no leito d'este volume de agua tal que o tome navegavel, pela immediata
juncção- 'per immediatam adjunctionem' -, como diz Godofredo.
Si assim não fosse, então, seria incomprehensivel a distincção que os textos do
direito romano fazem tão expressamente entre os rios navegaveis, ou de que se
fazem os navegaveis e os não navegaveis; não haveria differença possível entre o
rio grande, caudaloso, de grande abundancia e copia de agua, 'flumen', na verda-
deira accepção jurídica da palavra, e o rio pequeno, 'rivus', de pouca agua, de tenue
e fraca corrente, de diminuto volume, posto que perenne, de fluxo continuo, como
o riacho, que é um diminutivo de rio, de pequena corrente d'agua, escassa, do
mesmo modo que o regato, o ribeiro, o arroio, o corrego, conforme definem os
lexicographos, e que se tomariam todos, pela mesma razão da perennidade, depen-
dentes do domínio publico, como pertencentes ao seu patrimonio.
Não se pôde, portanto, tomar isoladamente o texto citado - frag. 1 º, § 3º -
para dizer-se que é publico todo rio que é perenne; mas sim de harmonia com os
mais textos para, interpretados em seu conjuncto, bem aprehender-se o sentido da
lei toda, como é regra de hermeneutica jurídica; porque, tomada a lei no conjuncto
de suas prescripções, qualquer sentido ambíguo ou obscuro de qualquer de seus
preceitos, comparados uns com outros, póde ser esclarecido e posto fóra de duvida
por outros claros que tomem manifesto e evidente o pensamento do legislador.
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