Page 352 - CURSO COMPLETO DE DIREITO AGRÁRIO, Silvia C. B. Opitz e Oswaldo Opitz, Ed. Saraiva, 7ª ed., 2013
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CURSO COMPLETO DE DIREITO AGRÁRIO, Silvia C. B. Opitz e Oswaldo Opitz, Ed. Saraiva, 7ª ed., 2013
Deverá o usuário fruir pessoalmente o imóvel, objeto do uso?
O contrato de uso confere ao respectivo titular somente a faculdade de retirar
do imóvel as utilidades que não são frutos. Assim foi no direito romano, mas tal
não se manteve, e no decorrer do tempo, a prática e a jurisprudência ampliaram os
direitos do usuário, de modo que se revestiu da figura do usufruto, embora limitado.
O CC não diz que deva o usuário fruir a coisa pessoalmente, mas subentende-
-se que assim seja, porque é ele individual, embora alcance seus familiares (CC,
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art. 1.412, § 2 ). Apesar disso- ser essencialmente individual- não há incom-
patibilidade legal de permitir que o usuário frua das utilidades do imóvel, median-
te o arrendamento ou parceria. Aliás, a regra do art. 1.413 manda aplicar ao uso as
do usufruto e, como o usufrutuário pode fruir a coisa diretamente ou não, nada
impede que assim ocorra no uso. Assim sendo, pode o usuário, se outra coisa não
se dispuser, tirar do arrendamento ou parceria a soma necessária a si e sua família.
Disso decorre a consequência legal de que também o uso não interrompe a vigên-
cia dos contratos de arrendamento ou agrários, sem prejuízo do direito conferido
no art. 32 do Regulamento.
No exame do usufruto, verificamos que a fruição do imóvel pode ser feita
pessoalmente pelo usufrutuário, bem como no uso, mas isto não é da essência
desses direitos incorpóreos. O mesmo já não se pode dizer da habitação, em que o
uso consiste no direito de habitar gratuitamente casa alheia, devendo ocupá-la com
sua família (CC, art. 1.414).
Diante disso, indaga-se: como conciliar o art. 1.414 do CC com o direito con-
ferido ao contratante agrário, quando se constituir um direito real de habitação
sobre o imóvel objeto do contrato?
O direito de habitação foi sempre considerado um verdadeiro uso, tendo por
objeto uma casa e por fim nela morar. Justiniano aproximou-o do usufruto, quando
permitiu que seu titular tivesse a faculdade idêntica do usufrutuário e assim conce-
deu-lhe a de arrendar a um terceiro objeto do contrato. No entanto, não permitia o
empréstimo da coisa, porque sendo a habitação uma dádiva, não podia ser cedida
gratuitamente. O CC restabeleceu a antiga origem e manda que o titular use da
coisa dada em habitação. A regra encontra exceção, embora temporária, no art. 92,
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§ 5 , do ET, de modo que o titular não pode desalojar o arrendatário ou contratan-
te agrário do imóvel, enquanto viger o contrato, ressalvados naturalmente os direi-
tos decorrentes do art. 32 do Regulamento. A regra compreende também os casos
em que o direito de habitação for concedido a mais de uma pessoa.
A regra admite exceção, quando seja possível ao usuário ocupar o imóvel ar-
rendado, juntamente com o arrendatário e este não se oponha à execução do con-
trato de habitação. Em nenhuma hipótese, o arrendatário deverá pagar o preço do
arrendamento ao titular do direito de habitação, sob pena de ter de fazê-lo ao ver-
dadeiro arrendador, salvo autorização deste.
Pode ocorrer que o direito real de habitação não seja gratuito, coisa possível,
pela conclusão a contrario sensu, que se tira do art. 1.414 do CC. Dizendo o Có-
digo: "Quando o uso consistir no direito de habitar gratuitamente casa alheia ... ",
quer permitir que possa consistir em uso oneroso da propriedade. Se não for gra-
tuito o uso, incidem as normas sobre a locação do arrendatário ou contratante-
-agrário-outorgado, quando o imóvel contém o pacto de retrovenda e o contrato foi
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