Page 387 - CURSO COMPLETO DE DIREITO AGRÁRIO, Silvia C. B. Opitz e Oswaldo Opitz, Ed. Saraiva, 7ª ed., 2013
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CURSO COMPLETO DE DIREITO AGRÁRIO, Silvia C. B. Opitz e Oswaldo Opitz, Ed. Saraiva, 7ª ed., 2013
um negócio jurídico complexo, o inadimplemento de uma das prestações relativas
a qualquer deles é causa de rescisão de ambas as relações contratuais, como se
fossem únicas" (Ap. 46.368, DJ, Ap. 58, de 12 mar. 1959, p. 1115).
Quando não se interligam, mas correm paralelos, um ao lado do outro, inde-
pendentes, nenhuma dificuldade apresenta ao intérprete.
Se há hibridismo contratual, mesmo que se denomine o contrato como de
arrendamento, cumpre ao juiz examiná-lo, tendo em vista o desejado pelas partes,
sem esquecer a norma geral de que "nas declarações de vontade, se atenderá mais à
sua intenção que ao sentido literal da linguagem" (CC, art. 112), porque a denomi-
nação dada pelas partes não pode influir sobre o conteúdo e o objeto da declaração
da vontade externa, que determinam a figura do negócio concluído. Conforme diz
Fubini, os interessados em realidade não olham senão a transmissão da propriedade,
para o momento em que se verifique o pagamento total do preço estipulado. A von-
tade da parte dirige-se, tão somente, para dar vida a uma compra e venda, de modo
que não pode influir o que houvessem estabelecido para o caso em execução, porque
isso não constitui uma cláusula resolutiva expressa. Não há de esquecer-se também
a circunstância de que a confusão dos dois contratos foi querida pelos contratantes,
precisamente para atingir o fim a que se propuseram, ainda que, para tal, se vissem
obrigados a simular a existência dos requisitos indispensáveis do contrato que, em
realidade, pretendiam realizar. A interpretação da lei dos contratos exige um conhe-
cimento completo da vida real, porquanto só esta poderá ser exata. Razão por que o
Regulamento ao ET estabelece norma impeditiva dessa confusão, ao dispor que
"ocorrendo entre as mesmas partes e no mesmo imóvel rural avenças de arrenda-
mento e de parceria, serão celebrados contratos distintos, cada qual regendo-se pelas
normas específicas estabelecidas no ET, na Lei n. 4.947/66 e neste Regulamento".
A missão do juiz é árdua, pois, na interpretação do negócio jurídico, irá escla-
recer qual a declaração verdadeira que as partes desejaram manifestar. Se, ao in-
terpretar um contrato dessa espécie, o juiz não se orientar pela realidade desejada,
far-se-á uma interpretação falsa, e a decisão, por sua vez, também será falsa.
"É frequente não terem as partes em conta o caminho que as coisas podem
tomar, e, por isso, não se preocupam em dispor, expressamente, a esse respeito nas
suas palavras; sucede ainda que, muitas vezes, não podem, de modo algum, prevê-
-lo, nem por conseguinte determinar nada. É precisamente nestes casos que o juiz
tem de completar, por meio da interpretação, as lacunas deixadas pelas partes na
sua declaração de contrato, determinando ao.mesmo tempo os efeitos jurídicos a
que dão lugar essas circunstâncias não previstas; vê-se que a interpretação dos
negócios jurídicos é uma 'arte' que nada tem a ver com a prova da existência ou
inexistência de um fato, que é uma arte 'jurídica', visto que tende a determinar os
efeitos jurídicos que hão de produzir-se" ( cf. Erich Dantz, A interpretação dos
negócios jurídicos, Saraiva, 1941, trad. portuguesa, p. 17).
São importantes as consequências legais dessa confusão contratual. Os efeitos
decorrentes se refletem na aplicação do Estatuto da Terra e seu Regulamento, daí
o rigor de ambos. Se não ficar bem claro o objetivo dos contratantes, toma-se difí-
cil saber qual o procedimento cabível no momento de exercer seu direito garantido
por esses diplomas legais. Se a intenção das partes for a venda, dispensável se
toma a manifestação de preferência da renovação do arrendamento. Esse direito
nasce do contrato, de modo que este não pode ser confuso, e, se o for, está o arren-
datário na iminência de ver frustrada a sua pretensão.
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