Page 463 - CURSO COMPLETO DE DIREITO AGRÁRIO, Silvia C. B. Opitz e Oswaldo Opitz, Ed. Saraiva, 7ª ed., 2013
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CURSO COMPLETO DE DIREITO AGRÁRIO, Silvia C. B. Opitz e Oswaldo Opitz, Ed. Saraiva, 7ª ed., 2013
muitas vezes sob a pressão de dolorosas experiências reveladoras de que sua reali-
zação devia processar-se solidariamente, dada a dimensão social de sua natureza"
(cf. A. Câmara). Portanto, dentro dessa ordem que ele construiu e realizou, estru-
turou sua forma de vida social, com obrigações e direitos, fontes primárias dos
pactos de que temos notícias, obtendo outro tipo de ordem, que chamaremos social
ou de coexistência, muito semelhante à da ordem de alguns animais ou dos formi-
gueiros (Câmara). Tão forte como aquela do cosmo, onde se encontra e onde per-
manecerá, porque lhes vem com o ser, assim as abelhas continuam em colmeias e
as formigas em formigueiros, unidas pastejando ou lutando à cata de alimentos,
porque sua ordem social é gerada pela causalidade, é determinada pela natureza.
Embora semelhante, desgarrou-se, formando a gênese de uma nova ordem, que
nasce da razão humana e da vontade. A construção dessa nova ordem supõe no
homem a razão e a vontade, que são as suas peculiaridades (cf. Câmara). Daí par-
tiu para outras noções, entre elas a da posse e depois a da propriedade. Embora não
tivesse ainda uma noção clara do seu grupo, tanto o seu como o outro grupo tinham
o instinto do que lhes pertencia de pasto e alimento. Com unhas e dentes ambos
defendiam até a morte aquilo que seu ser precisava para continuar a espécie, como
que num determinismo cósmico.
O lugar que temporariamente ocupavam era sagrado, embora ainda não ti-
vessem sequer a noção de propriedade, como tal, mas como posse, exteriorização
de domínio. Dessa fase, tão bem destacada por Armando Câmara, aos agrupa-
mentos humanos mais vastos e intensos, vai longe e infinita distância. A verdade,
porém, é que houve essa evolução; de que modo houve, ninguém sabe. A tradição
zoobiológica dos seres vivos animais nos dá as coordenadas possíveis, com suas
distorções e depurações através dos tempos. Não há dúvida de que os animais e,
entre estes, os homens, se apoderaram primeiro das coisas móveis e as coisas
destacáveis dos imóveis, como o pasto, a água, os frutos etc. Num estágio muito
posterior, que a noite já apagou, os homens começaram a se agrupar e então
sentiram a necessidade de um lugar para ficar, um campo, uma floresta ou uma
caverna, não importa, mas nascia uma coisa nova: a propriedade. Como todos os
animais, os homens também viviam em bandos, cujos indícios pululam em nos-
sos dias (os índios da selva amazônica, v. g.).
A propriedade era da tribo, do grupo, ninguém compreendia sua individuali-
dade dentro do grupo. Longa jornada a humanidade teve de percorrer, usando e
fruindo da terra e de seus frutos, até que chegasse o momento da separação grupal,
em que alguns grupos se destacavam, algumas famílias isoladas adquiriam a cer-
teza da possibilidade de uma existência menos dependente do conjunto e a neces-
sidade da comunhão se foi gradativamente afrouxando (M. I. C. Mendonça, Usufruto,
cit., 1922, p. 23).
Prossegue o mestre: "caça em comum na vida nômade pressupunha a comuni-
dade do solo, a mobilidade da sua residência, à medida que a subsistência se tor-
nava mais difícil em um ponto dado".
Iniciada a vida sedentária no regime pastoril, já se pode compreender a divisão
do solo entre as farm1ias para o pascentamento dos rebanhos.
É, porém, no período agricultor, que se fez necessária a partilha das terras
entre famílias que a cultivassem para si, sujeitas, entretanto, ao lanço ainda muito
estreito da subordinação à propriedade geral.
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