Page 235 - LICENCIAMENTO E COMPENSAÇÃO AMBIENTAL NA LEI DO SISTEMA NACIONAL DAS UNIDADES DE CONSERVAÇÃO (SNUC)
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218 Licenciamento e Compensação Ambiental na Lei do SNUC • Bechara
A dúvida se deve ao pensamento arraigado de alguns de que a responsabili-
dade civil atinge apenas as práticas ilícitas – como se o dever de reparar os danos
perpetrados contra terceiros fosse uma simples punição do agressor e não um
mecanismo de amparo à vítima. 132
No campo da responsabilidade civil objetiva, contudo, não há espaço para
controvérsia desse jaez, uma vez que impera o entendimento de que a licitude da
atividade é irrelevante para a imposição do dever de reparar os danos dela decor-
rentes. Assim, o dever reparatório decorre, única e simplesmente, da existência
de um dano e do nexo de causalidade ligando esse dano ao sujeito/atividade.
Atividades lícitas podem causar danos, tanto quanto as ilícitas. Por isso, a
reparação não deve ser estabelecida a partir da ilicitude da atividade, mas da
ilicitude do próprio dano – afinal, o dano “jurídico” tem sempre um caráter ilícito
mesmo quando gerado por atividade não ilícita, daí por que até mesmo os danos
“autorizados”, como, p.ex., os decorrentes da desapropriação, estão sujeitos à
reparação. É o que Roberto Senise Lisboa chama de “um ato lícito que se torna
ilícito pelo resultado”. 133
Em sucintas palavras, o fato de uma atividade lesiva ser lícita e autorizada
por quem de direito não é o bastante para exterminar o direito das vítimas de não
sofrer a lesão dela advinda.
Oportuna, para a situação em apreço, é a lição de Francisco José Marques
Sampaio:
“Quando a norma jurídica estabelece a obrigação de responder civilmente
por determinado dano como decorrência do exercício de atividade por si
só capaz de provocá-lo, ainda que sem infração a qualquer dispositivo legal,
a sanção imposta pela norma está justificada pela violação ao dever jurídico
que todos têm de não causar dano a outrem.” (g.n.) 134
Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery ensinam que, nada obstante a
aparência paradoxal do dever de indenizar ao lado da licitude da atividade, “essa
contradição é apenas aparente, porque a conduta pode ser lícita, visando satis-
132 José Marcos Domingues, por exemplo, de um lado defende que a compensação ambiental é um
imposto inominado e, de outro, rechaça a sua natureza jurídica indenizatória visto que ela “não é
devida em relação à prática de um ato ilícito” (Direito tributário e meio ambiente, p. 219). Em seu
pensar, “no caso de empreendimentos licenciados não se cogita nem de violação de um direito, nem
de ilicitude, nem consequentemente de dano ambiental. Trata-se de perda ambiental, inevitável,
não mitigável, gerada pela ação lícita do empreendedor, objeto de licenciamento administrativo
ambiental, após sopesamento dos interesses em jogo à luz dos princípios do desenvolvimento eco-
nômico e da preservação ambiental, garantidor de desenvolvimento sustentável, com as limitações
decorrentes do estado da arte tecnológico e dos constrangimentos naturais que condicionam a vida
humana. De sorte que não se pode falar aqui de indenização de dano” (Ibidem, p. 219-220).
133 Responsabilidade civil nas relações de consumo, p. 37.
134 Responsabilidade civil e reparação de danos ao meio ambiente, p. 36.
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