Page 87 - LICENCIAMENTO E COMPENSAÇÃO AMBIENTAL NA LEI DO SISTEMA NACIONAL DAS UNIDADES DE CONSERVAÇÃO (SNUC)
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70 Licenciamento e Compensação Ambiental na Lei do SNUC • Bechara
Já se conhecem essas alterações insignificantes das lições sobre direito de
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vizinhança, nas quais ficam claras as opiniões dos doutrinadores e da própria
lei sobre os incômodos suportáveis e que, por essa razão, não lesam direitos e
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não trazem consequências jurídicas.
Por conta desse limite tênue entre alterações adversas e alterações não adver-
sas, alterações relevantes e alterações irrelevantes, é que a doutrina tem definido
o dano ambiental a partir de sua anormalidade, gravidade e periodicidade –
esta última, com menor aceitação.
Fábio Dutra Lucarelli, em trabalho específico sobre esse tema, teoriza:
“O prejuízo causado deve ser considerado anormal, levando-se em consi-
deração a normalidade que decorre da atividade do pretenso responsável.
A anormalidade se verifica quando há uma modificação das propriedades
físicas e químicas dos elementos naturais de tal grandeza que estes per-
cam, parcial ou totalmente, sua propriedade ao uso. Esta anormalidade
está intimamente ligada à gravidade do dano, ou seja, uma decorre da ou-
tra, já que o prejuízo verificado deve ser grave e, por ser grave, é anormal.
A gravidade consiste na transposição daquele limite máximo de absorção
de agressões que possuem os seres humanos e os elementos naturais.
Além disso, deve ser periódico, não bastando a eventual emissão polui-
dora. Mas essa periodicidade não é aquela noção que normalmente pos-
suímos, de que deve ser verificado durante algum lapso temporal. Aqui,
ela consiste, precisamente, na necessidade de que haja o tempo suficiente
para a produção de um dano substancial e grave, não se verificando, por
exemplo, no caso de odores momentâneos.” 193
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Hely Lopes Meirelles também é da opinião de que sem anormalidade e efe-
tiva prejudicialidade não há que se falar em “poluição reprimível” (que chama-
191 Na lição de Silvio Rodrigues, “se tolerável o dano, despreza-se a reclamação, devendo a vítima
submeter-se ao incômodo, que corresponde a uma imposição da vida em sociedade” (Direito civil,
vol. 5, p. 126). Maria Helena Diniz, no mesmo sentido, assevera que a convivência social por si só
cria a necessidade de cada um sofrer um pouco, motivo pelo qual a verificação de uma atividade
incômoda, portanto reprimível, dependerá do grau de tolerabilidade (Curso de direito civil brasilei-
ro, vol. 4, p. 230).
192 O Código Civil de 2002 traz uma nova disposição a esse respeito (sem correspondente no Códi-
go Civil de 1916), no parágrafo único do art. 1.277, in verbis: “Proíbem-se as interferências conside-
rando-se a natureza da utilização, a localização do prédio, atendidas as normas que distribuem as
edificações em zonas, e os limites ordinários de tolerância dos moradores da vizinhança” (g.n.).
Além disso, prevê que quando as interferências, ultrapassando os limites de tolerância, “forem jus-
tificadas por interesse público”, deverão ser suportadas pelo vizinho, mediante o recebimento de
uma indenização, por parte do causador do incômodo (art. 1.278, também sem correspondente no
Código Civil anterior). Este “incômodo indenizável” é, com efeito, um dano jurídico.
193 Responsabilidade civil por dano ecológico, p. 10.
194 Direito de construir, p. 224.
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