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Manuel Abranches de Soveral FRAGMENTA HISTORICA
com a requerida assistência dos mesteres. 46 que a petição a D. Sebastião foi manuscrita
por Cristóvão Mendes? A mim parece-me
que sim, mas os especialistas acham que não
é provável. O certo é que a importância do
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documento está no seu conteúdo.
Em 1557, o conselheiro Cristóvão Mendes
de Carvalho teria 72 anos e D. Sebastião 3
anos de idade. A carta, na especialidade uma
petição, era dirigida na prática a sua avó, a
rainha regente D. Catarina, viúva de D. João III.
Poderia tratar-se apenas de mais uma petição
de serviços, como tantas outras, e ainda assim
seria notável pelo que revela quer da justiça
e da administração pública desse tempo quer
da forma como o rei conduzia o processo e
do papel que nele desempenhavam os altos
magistrados. 48
Mas da carta ressalta outro aspecto central,
aliás relativamente pouco documentado
na nossa historiografia, que muitas vezes o
desconhece, por descodificar mal as subtilezas
endógenas das elites nacionais: a verdadeira
revolução social que, a esse nível, se verificou
na primeira metade do séc. XVI.
Muito mais do que com D. João I, como por vezes
3ª e última página da carta de é salientado, foi sobretudo com D. Manuel I e
1526 para D. João III, onde consta a seu filho D. João III que a sociedade da corte,
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assinatura (pormenor abaixo). portanto a elite governativa, mais se alterou,
47 Agradeço a opinião ao Dr. Pedro Pinto.
48 Na carta do Dr. Cristóvão Mendes de Carvalho ressalta
bem o papel determinante de magistrados como ele
próprio, que, arrostando os poderes estabelecidos
(“periguo de sua pª asi por se temer das partes”),
percorriam o país para repor a legalidade, enfrentar
abusos e conluios e defender os direitos quer do povo
quer da fazenda real, levando a cabo devassas a outros
altos funcionários e afastando dos cargos aqueles que os
exerciam indevidamente. Como é evidente, este modelo
dependia sobretudo da honestidade, inteligência e
(Doc. cedido pelo ANTT: Gavetas, gav. 2, rigor do magistrado mandatado, permitindo, caso não
mç. 8, nº 2). fosse esse o caso, a corrupção e a negligência. O rei
terá assim usado e abusado das características certas,
e porventura raras, que reconheceu no Dr. Cristóvão
Temos, portanto, uma carta de 1526 e outra Mendes, o que, por outro lado, revela a sageza de D.
João III e, em última análise, as potencialidades do
de 1549, com 23 anos de diferença, onde se vê sistema.
bem a evolução da caligrafia. Tendo em conta 49 D. João III chegou mesmo a ser absolvido por Bula
a matriz ortográfica e a evolução que se pode do Papa Júlio III de 5.4.1552, devido a ter, como
extrapolar para 1557, podemos considerar administrador da Ordem de Cristo, dado comendas
desta ordem a pessoas em que não se achavam os
merecimentos necessários para as possuírem (ANTT,
46 ANTT, Corpo Cronológico, p. I, mç. 82, nº 19. Bulas e Breves, mç. 10, nº 12).
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