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Manuel Abranches de Soveral                                   FRAGMENTA HISTORICA


           sendo  dos  milhores  patrimonios  que  tinha   que é pior, serviu-se dele para explorar  este
                                                                                      59
           desembargador neste reino ho qual lhe fiquara   seu  conselheiro,  pois  não  lhe  fez  as  mercês
           de  seus  antecesores  he  agora  m  menos   que,  pelo  seu  testemunho,  constantemente
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           cõtairo de m  outros que comecando de seruir   lhe ia prometendo e adiando…
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           s. a. sem nada tem agora mais quelle”.     Cristóvão Mendes de Carvalho avulta
           Não raras vezes Cristóvão Mendes de Carvalho   aqui,  assim,  como  representante  de  uma
           refere os serviços que fez a mando de D. João   mentalidade  medieval  em  extinção,  e  daí  a
           III  à  custa  da  sua  própria  fazenda,  pagando   importância do seu testemunho. De resto, fica
           do seu bolso não só as suas despesas mas   nele claro o rigor das suas alçadas e auditorias,
           também a de todos os funcionários reais que o   com  enormes  vantagens  para  o  tesouro  real,
           acompanhavam nessas missões! 56            o que lhe deve ter criado muitos inimigos
           O  seu  código,  bem  enraizado  na  tradição  da   por  todo  o  país,  não  só  nos  fiscalizados  e
           velha nobreza, não lhe permitia “fazer contas”   penalizados pela sua acção contra os conluios,
           com o rei como qualquer merceeiro, dizendo   em prol das finanças públicas e até do alívio
                                                                                      60
           mesmo “q ho q elle tinha tudo era de s. a” e   de indevidas cargas fiscais sobre o povo , mas
           que “na verdade elle pretendeo sempre mais
           ho serviço de s. a. q ho interese de sua fazenda”.   59  Esta é, inegavelmente, a ideia que ressalta de forma
           O  serviço  ao  rei  era  uma  obrigação,  que  no   mais pungente da carta do Dr. Cristóvão Mendes de
           entanto merecia recompensa ou mercê. Este   Carvalho, sendo lapidar a forma como termina: D. João
                                                      III dera-lhe “sempre esperancas de ho satisfazer muito
           era o velho código da nobreza.             bem e lhe fazer m  mercē como lhe elle merecia pollos
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           Mas  D.  João  III,  rodeado  de  uma  nova  elite   m  e bõs seruicos q sempre lhe fizera”, mas nunca o
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           administrativa  que  enriquecia  nas  suas   serviço, pelo que pedia justiça ao novo rei, de forma a
           costas ,  parece  ter  tido  dificuldade  em   “descarregarem a alma delrei que está em gloria que
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                                                                                           e
           entender a honorabilidade deste código ou, o   parece  nisto  estar  ēcarregada  por  lhe  não  fazer  m
                                                      alguã de seus seruicos”.  Ao  longo  de  toda  a  petição,
                                                      Cristóvão  Mendes  refere  várias  situações  em  que  foi
           56  Referindo variadíssimas vezes “ho que gastou de sua   enganado pelo rei, sendo risível a situação que conta,
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           fazenda”, fazendo o serviço real “cõ m  custo e perda de   quando o rei lhe deu uma comenda da Ordem de Cristo
           sua fazēda”, “sem receber mercē nē satisfação do que   dizendo que valia 60.000 reais de renda, pedindo-lhe
           gastaua”, diz a certo passo que “sempre daua de comer   em troca que desistisse da tença de 20.000 reais que
           aos  oficiais  de  s.  a.  que  cõ  elle  andauam”,  repetindo   D.  Manuel  lhe  dera  com  o  hábito,  o  que  ele  aceitou,
           adiante que “nūqua em ninhuã destas jdas lhe fez m  de   verificando  depois  que  a  comenda  rendia  menos  de
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            o
           dr  como se custuma antes sempre foi a sua custa dando   20.000 reais, pelo que ficou prejudicado com a mercê!
           as mais das uezes de comer aos oficiais de s.a.”.   Refere também as mercês que o rei lhe dava em teoria
           57   Por  muito  difuso  que  este  código  nos  pareça.  Na   e que nunca recebia na prática, como a provedoria das
           verdade, está por fazer para a Idade Média portuguesa   capelas de D. Afonso IV e um padroado de igreja que
           o  que  Nuno  Gonçalo  Freitas  Monteiro  fez  para  a   vagasse.  Sempre  que  Cristóvão  Mendes  falava  ao  rei
           nobreza  dos  séc.s  XVII  e  XVIII,  nomeadamente  o   nos prejuízos que estava a acumular por estar ao seu
           estabelecimento claro dos parâmetros do seu código   serviço,  este  respondia-lhe  que  “tudo  lhe  satisfaria  e
           comportamental e de valores. O Código de Cavalaria,   lhe faria m  de q elle fosse cõtente”, mas nunca passava
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           o  que  diz  José  Mattoso  na  sua  “Nobreza Medieval   disso. Pelo contrário, continuava a nomeá-lo para cargos
           Portuguesa. A família e o poder”, e o que dizem muitos   de alta responsabilidade sem o respectivo mantimento.
           outros  de  forma  sectorial,  devia  ser  articulado  num   Quando finalmente Cristóvão Mendes confrontou o rei
           modelo inteligível e coerente, o que obviamente não é   com uma petição (os “seus papeis”), D. João III, depois
           possível aqui fazer.                       de os ver, “disse q tinha m  rezão de ho jmportunar e
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           58  Para além da bibliografia já referida, onde o tema é   q fosse falar cõ ho secretairo”, e “que lhe auia de fazer
           tratado, podemos encontrar na carta transcrita do Dr.   m  e satisfazerlhe todas suas perdas e gastos”. O que
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           Cristóvão  Mendes  de  Carvalho  algumas  “indirectas”   nunca fez, respondendo sempre com evasivas e novas
           a esta problemática, para além das referências muito   promessas a todas as interpelações e pedidos do seu
           concretas a actos de corrupção, já salientados na nota   conselheiro.
           nº  42.  Nomeadamente  quando  refere  que  tinha  “dos   60   Refere,  nomeadamente,  que  em  Trás-os-Montes
           milhores  patrimonios  que  tinha  desembargador  neste   certos almoxarifados “leuavão ao povo m  mais do que
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           reino  ho  qual  lhe  fiquara  de  seus  antecessores”,  ao   deuião e tirou tudo ho que lhe não podião leuar”, e que
           contrário “de m  outros que comecando de seruir s. a.   “tirou outros tributos e sojeições ao povo sospendendo
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           sem nada tem agora mais quele”…            m  oficiais q a mor parte depois forão condenados”.
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