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FRAGMENTA HISTORICA Cristóvão Mendes de Carvalho ‐ História de um alto
magistrado quinhentista e de sua família
também de muitos outros altos funcionários
que iam fechando os olhos às situações e com
isso enchendo os bolsos. 61
Muitos outros aspectos da realidade da corte
de D. João III podem ainda ser apreciados
nesta carta. Desde os problemas no controlo
dos bens da coroa, coisa que tinha já larga
tradição, e outras questões já referidas, até à
dificuldade de acesso ao rei, mesmo para um
alto magistrado, do seu Conselho. Cristóvão
Mendes refere nesta petição duas situações,
possivelmente extremas, e por isso mesmo são
invocadas, com alguma acrimónia. Uma delas,
sendo vereador presidente da Câmara de
Lisboa, quando precisou de tratar uma questão
e o rei estava em Évora. Diz que “elle se foi a
cidade deuora a s.a. como sabe a rainha nossa
sorã onde andou quatro ou cinquo meses”,
voltando a Lisboa sem ser recebido. Outra,
quando D. João III “lhe mãdou q se fosse a
almeirî e q tãto q uiesse ahi lhe satisfaria seus
seruicos, elle ho fez asi e esteve ê Almeirim
quatro meses no cabo dos quais elrei ho
mandou chamar”. Primeira página da carta de 1549.
(Documento cedido pelo ANTT: Corpo
Por aqui se vê não só a importância dos Cronológico,
validos mas também daqueles que, pelas suas p. I, mç. 82, nº 19).
funções, tinham acesso diário ou fácil ao rei e
do valor que isso tinha. Não sendo portanto
de estranhar, para já não falar dos cargos Sendo a carta do conselheiro Cristóvão
palatinos, por exemplo, a clara preferência Mendes de Carvalho, que aliás fala bem por
pelo foro de moço da câmara do número em si, a peça central deste trabalho, optei pelo
prejuízo do formalmente mais elevado foro de método de introduzir nela, nos locais devidos,
cavaleiro. 62 notas que dêem as informações e façam os
comentários pertinentes, identificando sempre
que possível todas as situações aí referidas e os
intervenientes citados.
Eis, na íntegra, a carta ou petição que, pelo
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conteúdo, considero escrita em 1557, o mais
tardar em 1558, e necessariamente antes de
19.4.1559, data em que D. Sebastião o fez
desembargador do Paço:
“Diz christouão mendez de carualho que tem
aguora menos do q tinha quando comecou
a seruir elrei q esta en gloria por q tinha cõ
64
61 Vide notas nº 42 e 58.
dor
62 Mais tarde, o mesmo fenómeno se verificaria quer corre de todas as comarquas da beira e riba
ainda com os moços da câmara do número, como o de
guarda-roupa e outros, mas igualmente com o foro de
moço fidalgo com exercício, como tenho constatado em 63 ANTT, Gavetas, gav. 2, mç. 11, nº 2.
inúmeros casos. 64 D. João III, falecido em Lisboa a 11.7.1557.
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